Outros itinerários – por Juliana Monachesi

Curadoria de Mario Gioia na galeria Zipper, em São Paulo, investiga as heranças contemporâneas de artistas da land art.

Uma visita à exposição Território de Caça, na Zipper, fornece logo dois insights: 1. as práticas contemporâneas que derivam da histórica land art estão mais engajadas na experiência visual do espectador dentro da galeria do que na ideia de uma experiência transformadora do lado de fora; e 2. o curador Mario Gioia termina de se firmar, com este projeto, como uma das grandes promessas da jovem curadoria brasileira.

São onze artistas que Gioia reuniu em torno dos escritos e conceitos de Dennis Oppenheim, Michael Heizer e Robert Smithson (1938-1973), “mais do que uma transposição algo literal de trabalhos que intervêm sobre a natureza”, escreve o curador no texto de apresentação da mostra, que finaliza a temporada 2011 do projeto Zip’Up da galeria Zipper, destinado a jovens artistas.

O próprio título da exposição vem de uma fala de Oppenheim, em resposta a uma afirmação de Smithson sobre a relação dialética que ele estabeleceria em suas obras entre o exterior e a galeria: “Acho que a relação espaço ao ar livre/espaço interior em meu trabalho é mais sutil. Realmente não carrego comigo um conceito de perturbação da galeria; deixo isso para trás, na galeria. Ocasionalmente considero o site da galeria como se fosse um território de caça”.

Estela Sokol, Mariana Tassinari, João Castilho, Marina Camargo, Felippe Moraes, Fernanda Barreto, Manoel Veiga, Felipe Cama, Raquel Versieux, Maura Bresil e Shirley Paes Leme comparecem com obras predominantemente fotográficas que enfrentam de diferentes maneiras a dicotomia espaço ao ar livre/espaço interior.

 
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Quando a obra tira partido de uma intervenção real sobre a paisagem, esta ação tende a ser pontual e efêmera. Em tudo oposta às intervenções de escala geológica que muitos artistas da land art costumavam fazer nos anos 1970, o gesto de colorir uma paisagem nevada (Estela Sokol), empilhar alguns fragmentos de território (João Castilho) ou circunscrever o céu azul por meio de um reflexo circular (Felippe Moraes) é bastante mais sintonizada com a complexidade do pensamento contemporâneo sobre as consequências da ação humana sobre a natureza.

Uma outra abordagem da paisagem, e esta possível apenas por conta de recursos tecnológicos do presente, é proposta nas obras de Fernanda Barreto, Manoel Veiga e Felipe Cama: a mediação digital permite aos artistas registrar em chave poética e conceitual uma extensão de paisagem inimaginável 40 anos atrás, criando um curso d’água a partir de fragmentos de imagens de rios diversos capturados pelo Google Earth (Barreto), construíndo uma pintura sideral com fotos do telescópio Hubble (Veiga) ou revisitando pelo Google Street View regiões retratadas em pinturas do século 19 (Cama).

Responsável por interessantes curadorias nos últimos anos, como Presenças (Zipper, 2011, que inaugurou o projeto Zip’Up), Incompletudes (galeria Virgilio, 2010) e Espacialidades (galeria Central, 2010), Mario Gioia demonstra versalitidade e ousadia com Território de Caça, porque sinaliza possuir duas habilidades indispensáveis a um curador hoje – o empenho de uma pesquisa teórica de fôlego e a intimidade com a produção mais relevante de seu próprio tempo. Touché.

Publicado originalmente no site da revista Select (www.select.art.br) em 3 de dezembro de 2011